O Ministério Público de Portugal acusou o ex-presidente da Sonangol e vice-presidente da República de Angola, Manuel Vicente, o procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e o arguido Armindo Pires no âmbito da “Operação Fizz”, relacionada com corrupção e branqueamento de capitais.
No dia 2 de Março de 2016, Manuel Domingos Vicente declarou que eram falsas e atentatórias ao seu bom nome informações veiculadas pela imprensa de todo o mundo, com excepção para a que pertence ao regime, sobre o seu suposto envolvimento em factos que estariam a ser objecto de uma investigação, em Portugal.
Eis o comunicado emitido por Manuel Vicente e então recebido na Redacção do Folha 8:
“Tem estado a ser veiculadas pela comunicação social notícias dando conta do meu suposto envolvimento em factos que estarão a ser objecto de uma investigação conhecida por “Operação Fizz”, conduzida pelas autoridades judiciárias portuguesas.
Desconheço se o veiculado pela comunicação social corresponde ou não àquilo que estará a ser efectivamente investigado. Porém, os relatos apresentados por diversos órgãos de comunicação a meu respeito, para além de não corresponderem à verdade, atentam gravemente contra o meu bom nome, a minha honra, imagem e reputação.
Na verdade, sou completamente alheio, nomeadamente, à contratação de um magistrado do Ministério Público português para funções no sector privado, bem como a qualquer pagamento de que se diz ter beneficiado, conforme relatos da comunicação social, alegadamente por uma sociedade com a qual eu não tinha nenhuma espécie de relação, e que não era nem nunca foi subsidiária da Sonangol.
Quanto ao processo arquivado, ao que sei uma simples averiguação de origem de fundos relativos à compra de um imóvel, confiei a minha representação a um advogado, o qual apresentou comprovação cabal da origem lícita dos fundos, com o que o processo não poderia deixar de ter sido arquivado – comprovação essa que, se necessário, poderá ser renovada.
O envolvimento do meu nome na investigação ora em curso, não tem, pois, qualquer fundamento; não obstante, estou totalmente disponível para o esclarecimento dos factos na parte em que me dizem respeito, de modo a pôr termo a qualquer tipo de suspeições, e, com certeza, tudo farei para que sejam devidamente reparados os graves danos causados à minha pessoa.”
Uma tradução linear
O vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, diz ser “completamente alheio à contratação” do procurador Orlando Figueira, para o sector privado, assim como a “qualquer pagamento” de que alegadamente aquele magistrado beneficiou.
Manuel Vicente reagia por insistência – segundo apurou na altura o Folha 8 – do Presidente José Eduardo dos Santos, às notícias (ocultadas pelos órgão do regime – Jornal de Angola, TPA, RNA e Angop) sobre o seu suposto envolvimentos em factos relacionados com a investigação da “Operação Fizz”, conduzida pelas autoridades judiciárias portugueses, e que levou à detenção e à medida cautelar de prisão preventiva de Orlando Figueira, antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Manuel Vicente, antigo presidente da Sonangol, salienta que o seu envolvimento na investigação portuguesa “não tem, pois, qualquer fundamento”, porém manifesta-se “totalmente disponível para o esclarecimento dos factos (…), de modo a por termo a qualquer tipo de suspeições”.
Quererá essa disponibilidade dizer que Portugal não precisa de emitir, através da sua Procuradoria-Geral, uma carta rogatória para a nossa PGR, solicitando os seus bons ofícios para notificar Manuel Vicente, pedindo respostas às perguntas processuais que depois – se dadas – seriam enviadas para Lisboa?
Quererá essa disponibilidade dizer que Portugal não precisará de notificar Manuel Vicente para que este seja ouvido em Lisboa ao abrigo da convenção de auxílio judiciário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), situação que só por si garante a Manuel Vicente que não será detido nem impedido de regressar a Angola?
Quererá essa disponibilidade dizer que Manuel Vicente constituiu de facto um advogado no sentido de este contactar o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) para calendarizar o interrogatório?
Quanto ao processo arquivado por Orlando Figueira, no início de 2012, no comunicado, Manuel Vicente refere que, ao que sabe, foi uma “simples averiguação de origem de fundos, relativos à compra de um imóvel”. “Confiei a minha representação a um advogado, o qual apresentou comprovação cabal da origem lícita dos fundos, com o que o processo não poderia deixar de ter sido arquivado – comprovação essa que, se necessário, poderá ser renovada”, acrescenta.
No mesmo processo, foram ainda constituídos arguidos, o advogado Paulo Blanco, por suspeitas de corrupção activa, e uma entidade colectiva, que oficialmente ainda se desconhece qual é.
O procurador Orlando Figueira foi responsável, entre outros, pelos processos “BES Angola” e pelo “Caso Banif”, relacionado com capitais angolanos, tendo arquivado este último.
O Senhor Petróleo
Não sendo de origens abastadas, como é que Manuel Vicente se torna numa das figuras mais ricas do regime? Em 1991 entrou para a Sonangol como funcionário e ocupando o cargo director-adjunto até 1998, chegando a presidente um ano depois.
Foi Manuel Vicente quem liderou negociações com os gigantes mundiais do petróleo, como a Exxon Mobil, a Chevron, a Total, a Elf ou a BP. Em 2011, o ultimo ano de Manuel Vicente na Sonangol, as receitas da petrolífera ascenderam a cerca de 34 mil milhões de euros, montante que coloca a empresa ao nível dos gigantes mundiais como a Amazon ou a Coca-Cola.
A gestão de muitos milhões, feita por meios opacos, de há muto que colocou a Sonangol no radar da corrupção. Isso mesmo foi dito pela Global Witness e Fundo Monetário Internacional.
Em 2011 a Sonangol teve 34 mil milhões de euros de receitas. Nesse ano o FMI detectou um buraco nas contas nacionais de Angola de cerca de 32 mil milhões de dólares americanos entre 2007 e 2010. Um montante que, alegadamente resultante das receitas de direitos petrolíferos, que a Sonangol nunca transferiu para o Estado. A gestão de Manuel Vicente fica igualmente marcada por 4,2 mil milhões de despesas não registadas da Sonangol.
Embora pouco transparente, o sucesso de Manuel Vicente na Sonangol catapultou-o para o círculo íntimo do presidente, sentando-o ao mesmo nível de ‘Kopelipa’ e ‘Dino’, para além de interlocutor-mor dos negócios com Isabel dos Santos e os filhos de José Eduardo dos Santos.
No meio de todo este imbróglio importa recordar que, em 2013, depois da abertura, em Portugal, de investigações criminais por suspeitas de branqueamento de capitais contra João Maria de Sousa, procurador-geral da República, o general ‘Kopelipa’ e o próprio Manuel Vicente, José Eduardo dos Santos anunciou formalmente o fim da “parceria estratégica com Portugal”.
Arquive-se? Foi assim e voltará a ser
Em Fevereiro de 2016 o procurador do Ministério Público (Portugal), Orlando Figueira, foi detido pela Polícia Judiciária por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais. Ficou em prisão preventiva. Como está no ADN de Portugal e de Angola, qualquer escândalo de alto gabarito tem de envolver altos dignitários do regime de José Eduardo dos Santos. Desta vez, como de outras, está em causa o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.
No dia 8 de Janeiro de 2016, o Governo angolano considerou existir “maturidade e serenidade bastantes” entre Lisboa e Luanda para “resolver e ultrapassar os eventuais mal-entendidos” e transmitiu a Portugal a sua “vontade política de sedimentar as relações” entre os dois países.
Para melhor oportunidade ficou o agradecimento do regime ao facto de a “coligação” PSD, CDS-PP e PCP terem rejeitado um voto de condenação apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos “activistas detidos”, iniciativa que teve a abstenção do PS.
A mensagem do Governo de José Eduardo dos Santos foi transmitida pelo embaixador angolano em Portugal, José Marcos Barrica, ao ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva.
O embaixador sustentou que há “maturidade e serenidade bastantes entre as legítimas autoridades de ambos os Estados para que, em sede própria, sejam resolvidos e ultrapassados os eventuais mal-entendidos ou até espevitações mal-intencionadas de quem, por qualquer razão subjectiva, esteja a desfavor de um bom relacionamento entre os nossos países e povos”.
Marcos Barrica considerou haver “relações de cooperação entre Estados que devem ser mantidas e incrementadas na base da confiança mútua e respeito recíproco”.
O diplomata mostrou-se convicto que os executivos dos dois países “continuarão a trabalhar nesse sentido, apesar de haver alguns ruídos nas relações, o que é natural na dinâmica dos processos de interacção humana”.
Na audiência, o diplomata angolano entregou ao ministro português uma missiva, na qual o chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, o felicitou pela sua nomeação e apresentou em nome do Governo de Angola e em seu nome pessoal, “as sinceras felicitações, assim como os votos de prosperidade para o povo português”.
Na missiva, o ministro angolano exprimiu “o desejo de continuar a trabalhar para que as relações de amizade e de cooperação existentes entre a República de Angola e a República Portuguesa se fortaleçam nos mais variados domínios, no interesse dos dois povos e governos”.
Segundo a nota da embaixada angolana, a mensagem que José Marcos Barrica entregou a Augusto Santos Silva “traduz um sinal claro e inequívoco da vontade política continuada do Governo de Angola de sedimentar as relações entre ambos os governos, mas sobretudo entre os povos, que se ligam por laços históricos e afectivos profundos e que não devem, por isso, ser negligenciados”.
Nada se perde… sempre para os mesmos
No caso do eventual envolvimento de Manuel Vicente, tal como no de Álvaro Sobrinho (BESA), e como é esperado, sobretudo a partir da altura em que o dono de Angola deu um ultimato político a Portugal, consubstanciado no fim, ou no adiamento sine die, da parceria estratégica, os tribunais portugueses – por determinação política – subjugaram-se e passaram a, juridicamente, ter uma só sentença em relação a qualquer questão que envolva altos dignitários do regime: arquive-se.
Isso mesmo se passou, recorde-se, com um tribunal português que recusou o pedido de abertura de instrução do caso ligado exactamente ao vice-Presidente de Angola, ao general Higino Carneiro e à empresa Portmil, cujo inquérito fora arquivado pelo Ministério Público português. E, pelo menos nos próximos anos, não vale a pena intentar qualquer acção. Lisboa rendeu-se e, como tal, encontra todos os subterfúgios legais, mas sobretudo políticos, para nada fazer.
O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Portugal, Carlos Alexandre, considerou que o jornalista Rafael Marques, que pediu a abertura da instrução, “não tem legitimidade para interferir nos autos na qualidade de assistente, relativamente ao crime de branqueamento de capitais, que constitui o novo objecto dos autos”. Nesta matéria de inconformidade de legitimação há pano para mangas, pelo que o regime angolano pode estar descansado, impávido e sereno. Nada será feito pelas autoridades portuguesas.
O inquérito surgiu após uma queixa sobre factos susceptíveis de serem crimes de associação criminosa e branqueamento de capitais, alegadamente praticados em Portugal, precedidos de “corrupção, burla e fraude fiscal alegadamente praticados em Angola”. Em causa estavam operações bancárias efectuadas em 2009 e 2010, num montante de cerca de 294 milhões de euros.
E, de facto – não de jure -, as razões de Estado são uma espécie de albergue onde cabe tudo o que interessa a Portugal, nem que isso seja um atropelo às regras de um Estado de Direito. Ou seja, permite que se lavre a sentença antes da averiguação dos factos. Primeiro arquiva-se e depois articula-se juridicamente os argumentos que sustentem esse mesmo arquivamento. Simples.
Num Estado de Direito uma das regras fundamentais é dar à política o que é política e aos tribunais o que é dos tribunais. Em Portugal nada disso é assim. E então em Angola nem vale a pena falar. A promiscuidade é tal que, cada vez mais, os tribunais fazem política e a política investiga e dá sentenças.
Cérebros vazios de Lisboa
Os cérebros que gravitam no governo de António Costa, tal com os que antes faziam o mesmo no de Passos Coelho, sabem que o futuro de uma qualquer parceria estratégica passa pelo índice de bajulação e subserviência de Lisboa.
O caso Manuel Vicente revelará que, mais do que declarações políticas de ministros portugueses, o regime do MPLA exige que os seus dirigentes estejam acima das leis e que, como por cá, gozem de total imunidade e impunidade. Enquanto isso não for assumido sem subterfúgios por Lisboa, Portugal chupará cada vez menos nas tetas que produzem dólares.
Luanda não aceita, repita-se, desvincular seja o que for do direito – que entende soberano – de exigir ao antigo colonizador que os seus dilectos e impolutos dirigentes estejam sempre acima de qualquer suspeita, por mínima que seja.
E Angola, até porque não lhe faltam parceiros mais poderosos e incólumes ao rótulo colonial, mantém-se firme como, aliás, vincula a posição de Manuel Vicente, vice-presidente e ex-presidente executivo da petrolífera Sonangol. Nem mesmo os supostos pesos-pesados de Lisboa conseguirão demover o radicalismo de Luanda.
Comunicado de Rui Patrício, advogado de Manuel Vicente, enviado ao Folha 8
“Perante as notícias vindas a público e os subsequentes pedidos de comentário, apenas tenho a dizer duas coisas:
– primeiro, nem eu nem o meu constituinte fomos notificados ou informados de coisa alguma;
– segunda, e mais importante, muito me espanta que o meu constituinte possa ter sido acusado, não só porque nada tem que ver com os factos do processo, mas também porque nunca foi sequer ouvido, o que constitui obrigação processual fundamental, cuja violação, bem como a violação de outras regras aplicáveis ao caso, é grave e séria e invalida o processo.
Rui Patrício, 16 de Fevereiro de 2017
Advogado do Eng. Manuel Vicente”